O desejo
por gerar um filho é, indiscutivelmente, um dos mais
universais e está presente no íntimo de muitos indivíduos, mas nem todos eles,
independente de constituírem casal ou não, conseguem espontaneamente conduzir
uma gravidez, e uma parte necessitará de tratamento que possibilite a
descendência.
A
medicina, através das técnicas de reprodução humana artificial, vem acenando
com métodos inovadores a fim de permitir, àqueles que encontram dificuldades
para procriar, a possibilidade de realização do projeto parental (FISCHER,
2013, p.9), e, por conseguinte, o exercício do Direito Humano Fundamental de
constituir família.
Entretanto,
o processo de reprodução humana assistida pode vir acompanhado de algumas
dificuldades no que permeia os aspectos legais, pois, apesar do ordenamento jurídico
brasileiro dispor sobre questões relacionadas a maternidade, paternidade,
filiação e parentesco na Constituição Federal, artigo 226, §7º, na Lei
nº9.263/1996 sobre planejamento familiar e no Código Civil, não alcança todas
as possibilidades que as técnicas de reprodução humana assistida detêm,
suscitando dissenso quanto algumas práticas, como o que ocorre na inseminação
artificial post mortem, cujo procedimento consiste em utilizar-se sêmen ou
embriões criopreservados após a morte do marido ou companheiro.
No
contexto da Resolução 2121/2015, que adota normas éticas para utilização de
técnicas de reprodução assistida, o Conselho Federal de Medicina permite a
reprodução assistida post mortem no artigo VIII ao considerar ser ‘permitida a
reprodução assistida post mortem desde que haja autorização prévia específica
do falecido para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a
legislação vigente’. Já na lei civil brasileira, no artigo 1597, inciso III, o
legislador previu a presunção de paternidade nos casos de fecundação artificial
homóloga, mesmo que falecido o marido, indicando com isso a possibilidade do
procedimento post mortem. Registre-se que essa regra legal citada e a regra
ética anterior referida são as duas únicas indicações normativas existentes no
pais sobre a questão.
Admitindo-se
a fecundação artificial homóloga após o falecimento do marido que deixou
material genético depositado em banco, volta-se a atenção para a exigibilidade
de aquiescência específica.
A
reprodução humana assistida post mortem, além de envolver o planejamento
familiar que está no rol dos direitos fundamentais, também abriga o direito à
liberdade, consubstanciado na autonomia da vontade. Percebe-se que, ao procurar
auxílio nas técnicas de reprodução humana assistida, o casal já manifestou,
mesmo que não de forma expressa, o querer um filho, o projeto parental almejado
(SARTORI; OLTRAMANI, 2017, p.408). Não há como negar a existência de um ato
volitivo, pois o sêmen foi retirado para, através das técnicas de reprodução
humana assistida, dar concretude ao projeto parental, e é a mãe quem dará
continuidade ao que foi planejado pelo casal, na falta do pai.
O Conselho
Federal de Medicina exige que esteja expressa a autorização, pois “o
consentimento é importante para a efetivação normativa da pessoalidade; [...]
as clínicas são obrigadas a manter termos de consentimento livre e esclarecido,
devendo estar ali contida à vontade expressa dos usuários para qualquer tomada
de decisão, em vida ou post mortem” (NAVES e SÁ, 2015, p.75). Entretanto, o
Código Civil não faz qualquer menção, admitindo-se, desta forma, a construção
judicial da vontade, conforme se vislumbra da decisão do Estado do Paraná
proferido nos autos 0027862-73.2010.8.16.0001 em “[...] o juízo entendeu que havia
manifestação expressa de vontade de Roberto quanto à paternidade, embora não
houvesse deixado por escrito tal assentimento.
Quanto aos
efeitos pessoais e patrimoniais que recaem sobre o filho nascido a partir da
técnica de reprodução assistida post mortem, estes devem ser respeitados, uma
vez que se operou “o vínculo parental de filiação, com todas as consequências
daí resultantes, conforme a regra basilar da Constituição Federal, pelo seu
artigo 226, §6º, incluindo os direitos sucessórios relativamente à herança do
pai falecido (HIRONAKA, 2007), ou seja, deve ser assegurado à criança todos os
direitos de filho, independente da forma como foi gerado.
Patrícia Siqueira. Mestre em
Direito Negocial. Docente. Advogada. Membro da Comissão de Direito de Família
da Ordem dos Advogados de Londrina.